Toni Erdmann

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Personalidades e países separam um pai e sua filha. Ambos adultos, possuem vidas independentes e solitárias. A visita de Ines (Hüller) à terra natal, na Alemanha, faz com que o velho Winfried (Simonischek) devolva o favor, na Romênia. Depois de alguns constrangimentos, surge Toni Erdmann, tornando as relações ainda mais surreais. A moça vive trabalhando, e o sujeito, ora embaixador, ora assessor de famosos, aparece para atrapalhar os planos dela.

Winfried possui um humor muito particular, desagradável àqueles que se atém aos padrões sociais. Na primeira cena, já conquista o público na abordagem a um carteiro. Com a família, não é diferente. No estrangeiro, quando a filha já está de saco cheio, ele assume o personagem-título como alter ego, usando peruca preta, terno velho e dentadura postiça. Esta, aliás, é usada anteriormente em brincadeiras avulsas; está sempre no bolso. O acessório e algumas piadas são repetidas além da conta até aparecer Toni.

Paralelamente, o emprego de Ines se destaca. Ela é consultora empresarial; está planejando a melhor forma de “modernizar” uma empresa romena, colocando muitos empregados na rua por meio de terceirizações. São métodos que remetem à reforma trabalhista no Brasil, de Michel Temer. Mas a moça apenas sugere aos gestores, embora sua participação carregue responsabilidades. Em determinado momento, surge a instrução para que ela defina uma estratégia de negócios positiva e hermética, ou seja, de forma que confunda os empregados, a exemplo das campanhas publicitárias a respeito também de outras transformações, a partir de 2016, em solo tupiniquim.

Enquanto a redução de custos corporativa é pensada, vê-se uma Romênia em precária situação social. Mendigos aparecem pedindo esmola, enquanto indivíduos de terno e gravata saem de seus carros, rumo ao prédio seguro da firma. Ines fica encostada em uma janela quando, em segundo plano, um cortiço se desenha próximo a onde ela está. A crítica ao gerenciamento da cidade está presente, mas não é escancarada.

Um dos primeiros programas de Winfried com a filha em Bucareste é um evento na embaixada dos Estados Unidos. Curiosamente, em 2016, durante a campanha presidencial norte-americana, o senador John McCain se referiu pejorativamente ao país europeu, falando que pelo menos sua nação não era a Romênia. Uma coincidência que reflete como os países mais desenvolvidos veem os menores, mesmo que estes estejam num bloco privilegiado, como o europeu. Sobressai-se, então, a exploração, que se dá no filme também em outros níveis, como entre homem e mulher, patrão e empregado, além de pai e filha e o geracional.

Winfried se porta como um palhaço – pinta até o rosto, no início – a maior parte do tempo, enquanto Ines sacrifica a vida social pelo trabalho. Esta afirma que, se nunca pulou pela janela, é porque está bem. Um precisa do outro – mais ela do que ele. O questionamento social também tem a ver porque, quando a moça finalmente anda em terra batida, ao visitar um campo de extração de petróleo, enxerga a sensibilidade ao próximo. Da mesma forma, é nesse cenário que Toni percebe que suas piadas não são totalmente adequadas, provocando um infeliz incidente.

A compreensão entre pai e filha está no conhecimento de um e na atuação de outro. Winfried surpreende Ines de maneiras que deixaria um pai tradicional furioso ou constrangido, mesmo que se esteja falando de personagens bem crescidos. Ela tem as mesmas reações para o que já identifica do pai há muito tempo; está na hora de descobrir novos pareceres.

O senso comum diz que o povo alemão é sisudo, daí o fato que classificarem Toni Erdmann como uma comédia tipicamente desse país. Bobagem. O fato é que os métodos de Maren Ade, diretora e roteirista, para fazer rir, são desconfortáveis e surpreendentes. O espectador ora pode detestar, ora adorar os personagens. É uma indeterminação que torna o filme especial.

Múltiplas histórias em quase três horas de duração, sem nunca abandonar seus dois personagens, a obra de Ade encontra afeto nas mais peludas estranhezas e desinibição humorada na mais inesperada festa de confraternização.

(Toni Erdmann, , 2016) Dirigido por Maren Ade. Com: Sandra Hüller, Peter Simonischek, Michael Wittenborn, Thomas Loibl, Trystan Pütter, Ingrid Bisu.

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