Mar à vista
Uma nadadora maratonista buscou a impossível tarefa de atravessar o caminho marítimo entre Cuba e Miami. Falhou antes dos trinta anos nos mais 164 km de distância. Só voltou a fazê-lo depois dos 60 anos, empregando certa obsessão. A façanha não poderia ser realizada a qualquer momento, solitariamente e apenas com o poder da decisão. O longa de Jimmy Chin e Elizabeth Chai Vasarhelyi tenta traduzir essa dificuldade.
Uma tarefa repetida tantas vezes não ocupa, por si só, duas horas de filme. É preciso preenchê-las. As adversidades técnicas, do encontro com animais selvagens à preparação física são apresentadas, para depois, em algum momento, serem confrontadas. Ainda é pouco material. A expansão melhor abalizada se concentra no fato de que esse também é um trabalho coletivo. Sem a equipe, Diana Nyad (Bening) não seria ninguém. Alguns rostos recebem mais atenção que os outros, com fiapos de desentendimentos e reconhecimento posterior em público. Infelizmente, as interações são rasas, apelando para emoções baratas quando o barco da narrativa está desgovernado.
No geral, Nyad atira para todos os lados, não encontrando unidade. Faz uma minibiografia, com traumas da protagonista, e ainda cria umas alucinações para parecer uma travessia estimulante. Os comentários políticos são mais rápidos de que a penetração do veneno de uma caravela-portuguesa. Conveniente, já que durante o segundo período de tentativas, o presidente Barack Obama tentava aproximação com Cuba. Ainda é pouco, pensando em que moradores da ilha arriscam a vida atravessando clandestinamente o canal, em busca do “sonho americano”. Não há referência.
O aquecimento global é citado, por acaso, em uma imprevisibilidade, mas, de novo, está tudo bem, e o que importa é só o feito individual, embora, no final, certa bandeira é exibida, deixando o ambiente politicamente correto para o simulacro liberal norte-americano.
As motivações servem mais para fortalecer o epílogo, visto que Diana se tornou uma palestrante motivacional. Se ela se esforçou tanto para um empreendimento extremo, o espectador pode fazer qualquer coisa. Se a produção não ia bem, agora encolheu.
Os dados são jogados na tela, como em uma transmissão esportiva. Se por um lado procura segurar a audiência, por outro dá ares de genuinidade, inclusive distribuindo a responsabilidade para cada membro da equipe, inclusive à própria nadadora, pelas tentativas frustradas. Isso porque, na realidade, houve falhas na documentação do feito, que fez o Livro dos Recordes revoga-lo de suas páginas.
O que resta é um filme celebratório, que certamente vai a algum lugar, mas de maneira artificial. Mesmo os problemas de ego e individualismo da protagonista, inaceitáveis aos seus colegas em determinado ponto, são contornados de qualquer maneira, pois o desafio dela – que envolveu anos de comprometimento – deve ser a coisa mais importante para os outros, que têm as próprias vidas para tocar. A equipe criativa não consegue convencer a respeito desse reagrupamento.
Mesmo com o trabalho de duas ótimas atrizes, Nyad se entrega à idealização do mérito esportivo sem olhar para as contestações imediatas à ação principal. Sem o reconhecimento formal da nadadora fora das telas, o lançamento do drama criará uma verdade paralela para aqueles que estão alheios aos fatos. O cinema também tem esse poder.
(Nyad, , 2023) Dirigido por Jimmy Chin e Elizabeth Chai Vasarhelyi. Com: Annette Bening, Jodie Foster, Eric T. Miller, Rhys Ifans.